O papel dos bancos para a transição energética

12 junho 2023

Projeto da sociedade civil apresenta os critérios socioambientais necessários para direcionar investimentos mais responsáveis no setor elétrico

 

 

A geração de energia integra um setor crucial para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país. No Brasil, embora contemos com uma das maiores capacidades instaladas de geração de energia elétrica do mundo - com 184 GW -, a universalização do acesso ao serviço ainda não é uma realidade. São aproximadamente 1,5 milhão de pessoas sem acesso à energia elétrica no país.

Soma-se ao problema da falta de acesso os altos preços que os consumidores pagam pelo uso, fazendo a conta de energia elétrica do brasileiro uma das mais caras do mundo. E não é que a produção da energia, em si, seja cara, mas sim a proporção de encargos e tributos exigidos, responsáveis por cerca de 40% do preço final que pagamos.

Ao mesmo tempo, o Brasil conta com uma matriz elétrica diversificada, sendo em torno de 60% da capacidade instalada oriunda de hidrelétricas, 14% de parques eólicos, 13% de combustíveis fósseis, 8% de biomassa e 5% de painéis solares. Ainda que nossa matriz seja majoritariamente estruturada a partir de fontes renováveis, isso não significa que seja sustentável.

EMBORA O BNDES DESEMPENHE PAPEL IMPORTANTE NO FOMENTO DO SETOR DE ENERGIA DO PAÍS, O BANCO AINDA NÃO APLICA IMPORTANTES CRITÉRIOS SOCIOAMBIENTAIS

A produção de energia, mesmo quando oriunda de fontes renováveis, também pode trazer impactos negativos para o meio ambiente e comunidades locais. São muitos os exemplos, que incluem desde casos de repercussão nacional, como o da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, ou até casos mais recentes envolvendo os impactos causados por parques eólicos no cotidiano de pequenos agricultores do estado de Pernambuco. Nesse sentido, hidrelétricas de grande porte podem estar associadas a impactos diretos no modo de vida de comunidades indígenas e tradicionais, além de influenciarem negativamente a biodiversidade local e aumentarem as emissões de gases do efeito estufa por meio da decomposição da vegetação submersa pelo represamento da água. De modo semelhante, os parques eólicos devem ser instalados sem prejudicar atividades de subsistência ou qualidade de vida de populações locais, além de ser necessário prevenir o impacto de aves migratórias.

Quando tratamos do tema da transição energética brasileira, faz-se necessário considerar seus impactos climáticos, ambientais e sociais para uma transição justa, inclusiva e sustentável. Para que este processo se consolide são necessárias não somente políticas públicas multidimensionais, mas também investimentos e financiamentos responsáveis.

Há estimativas que apontam que um gasto médio global de US$ 9,2 trilhões por ano para efetivar uma transição net-zero até 2050, sendo o setor de geração de energia um dos principais destinatários deste montante. Portanto, aqui chamamos atenção para a necessidade de refletir sobre os atores envolvidos no fomento à transição energética, tratando especificamente do papel das instituições financeiras.

Um estudo produzido pelas organizações Sierra Club, Fair Finance International, BankTrack e Rainforest Action Network, mostrou que apenas 7% dos investimentos dos maiores bancos globais destinados ao setor elétrico foram para empresas de energias renováveis. Este dado alarmante mostra a distância no cenário global entre os discursos pró-sustentabilidade e a prática de fato das instituições financeiras.

No Brasil, o principal protagonista do fomento à geração de energia é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Das 15 empresas que mais recebem investimentos do banco, seis são do setor de energia (Petrobras, Eletrobras, Copel, Energisa, CEMIG e AES Brasil). As seis juntas são destinatárias de mais da metade da carteira de renda variável do banco. Já com relação à carteira de crédito para pessoas jurídicas, considerando o período de 2019 a 2021, dos 30 maiores tomadores de recursos, 16 são do ramo de energia.

Embora o BNDES desempenhe importante papel no fomento do setor de energia do país, o banco ainda não aplica importantes critérios socioambientais para a sua análise de risco e tomadas de decisões com relação às suas carteiras de crédito e investimentos. O projeto GBR (Guia dos Bancos Responsáveis), uma iniciativa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz e Proteção Animal Mundial, apontou que, em 2022, o banco cumpria, em suas políticas socioambientais de fomento para o setor elétrico, apenas 45% dos critérios exigidos pela sociedade civil para uma atuação responsável.

Neste tema, o projeto avalia se os bancos possuem linhas de financiamento para energia renovável e metas para aumentar a participação desse tipo de energia em sua carteira. Também são verificadas possíveis restrições a fontes de energia controversas, como combustíveis fósseis, nuclear e grandes hidrelétricas. Por fim, avalia-se as exigências que os bancos impõem para apoiar projetos neste setor e para as empresas que nele operam.

Apesar da participação secundária de instituições do setor privado para o financiamento da geração de energia, bancos como Santander, Itaú e Bradesco possuem políticas socioambientais ainda mais defasadas, cumprindo, respectivamente, 40%, 39% e 26% dos critérios propostos pelo GBR.

Uma política responsável de investimentos para a transição energética traz benefícios para a sociedade como um todo e, até mesmo, pode ser benéfica para as instituições financeiras. Uma vez que possibilita meios de mitigação para a crise climática, geração de empregos, proteção de comunidades locais e redução na conta de eletricidade do consumidor final - considerando que nos últimos anos a energia renovável tem apresentado custos inferiores aos das fontes fósseis. Além disso, reduz riscos reputacionais e financeiros associados a projetos poluidores e violadores de direitos humanos.

Os critérios socioambientais do Guia dos Bancos Responsáveis, como o próprio nome sugere, se propõe a nortear as políticas socioambientais das instituições financeiras, abrangendo critérios para o setor de geração de energia, mas não somente: 17 outros temas são contemplados pela iniciativa, tais como direitos humanos, mudanças climáticas, transparência, entre outros. Assim, constitui-se em uma importante ferramenta para avaliar o desempenho das instituições financeiras em relação à responsabilidade socioambiental e engajar a sociedade civil para exigir políticas de investimento mais sustentáveis.

No site do projeto é possível consultar em detalhes o desempenho dos bancos que operam no Brasil e enviar cartas demandando a devida adequação aos critérios utilizados pela metodologia da avaliação. Busca-se, assim, concretizar a construção de um futuro mais justo, sustentável e inclusivo.

 

Anton Schwyter é coordenador do programa de Energia do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Priscila Arruda é pesquisadora do programa de Energia do Idec.

Fábio Pasin é pesquisador do projeto Guia dos Bancos Responsáveis pelo Idec.

 

 

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2023/06/09/O-papel-dos-bancos-para-a-transi%C3%A7%C3%A3o-energ%C3%A9tica